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Por Julio Cesar Lazzarini Lemos
09/07/2013
Todos estão cansados de ouvir os clichês: a internet domina nossas vidas e estamos na era digital. Mas a realidade é que já deixamos de ser crianças deslumbradas com tecnologia faz muito tempo. Agora é hora de resolver problemas. Muitos contratos são assinados em ambiente estritamente virtual, quase toda a comunicação é feita por e-mail, empresas e pessoas físicas têm sido vítimas de hackers, a senha de desbloqueio do seu smartphone foi quebrada, o programa de milhões de dólares fornecido pela companhia “xis” não se adaptou à empresa e ninguém sabe explicar o que aconteceu. Esses são alguns tipos de problemas atuais.
Internacionalmente, a grande área do Direito aplicado à tecnologia da informação (IT law ou computer law) não está “em constante crescimento” — está estabelecida desde o século passado. Apesar da obviedade do fato em âmbito global e nacional, não é fácil encontrar literatura de qualidade sobre o tema no Brasil e nossa carência de especialistas já é proverbial. Juristas costumam acolher novidades sem qualquer preocupação com o seu tratamento especializado e, na ânsia por compreender um tema sem precisar estudá-lo a fundo, com seriedade e academicidade, acabam por restringir-se a acrescentar um “e” entre o Direito e a tecnologia e lançar cursos superficiais para atrair novidadeiros. Mas enquanto nossos advogados estavam inventando, deslumbrados, expressões como “Direito digital”, o legislativo da Índia editava o Technology Information Act. Há nada menos que 12 anos. Nessa mesma época, problemas reais de TI surgiam no Brasil e queríamos soluções e não palavras mágicas.
Muito cedo esses problemas vieram bater a porta das instituições de arbitragem. É fato notório que a opção pela arbitragem costuma fundar-se nos seguintes fatores: preço, rapidez, sigilo, flexibilidade, colegialidade, expertise acadêmica e técnica. Pois bem: já em 1982, Marion Zinman, diretora da American Arbitration Association (AAA), noticiava que os advogados já estavam inserindo cláusulas de arbitragem na maioria dos contratos de software. E mais: que esse meio de resolução de conflitos permitia às empresas e pessoas físicas escapar ilesos do completo desconhecimento da matéria pelo judiciário.
Alguns números podem ajudar a evidenciar a preferência do empresário pela arbitragem em contratos de software e TI, como ocorre também nas áreas de construção, bolsas de valores, fusões e aquisições, etc. A mesma AAA, uma das principais instituições arbitrais nos EUA, já administrava, em 1982, quase R$ 20 milhões (valor histórico) em arbitragens em matéria de TI, contando com 187 árbitros com formação especializada nessa área.
Se os dados de 30 anos atrás já eram impressionantes, imagine a estatística do século 21. Hoje, a AAA mantém uma lista de mais ou menos 60 mil experts que podem ser indicados como árbitros em matéria de TI. O crescimento do interesse no tema foi exponencial. Só um caso como o da Constellation Software, relacionado a uma aquisição de software house em 2008, já impressiona: o valor envolvido era tão alto que só as custas de administração, honorários de árbitros e penalidades contratuais chegaram a quase R$ 30 milhões, conforme divulgação da empresa.
Chama a atenção o número de desenvolvedores de software no Brasil, certamente maior do que o existente nos EUA nos anos 1980. Igualmente, assusta o número de problemas jurídicos que plataformas, sistemas, licenças, cópia, alteração e distribuição de códigos-fonte, direitos autorais, software livre, criptografia, segurança de informações etc. geram todos os dias.
Se o indicativo econômico é o sinal mais claro de importância, basta mencionar a arbitragem histórica IBM versus Fujitsu, cujo valor ultrapassava os R$ 3 bilhões à época, em 1988 (valor completamente desatualizado). Isso dá uma ideia da importância de alguns milhares de linhas de código. Os árbitros nomeados, que eram dois, debateram por anos a fio detalhes e tecnicalidades que embaraçariam até um programador experiente.
Uma arbitragem ideal em TI é rápida, flexível e apoiada em conhecimentos sólidos. Assim se atendem aos dois mandamentos máximos do processo civil: segurança jurídica e efetividade. Tão importante quanto a rapidez é a excelência do laudo. As partes se socorrem da arbitragem porque não querem que seus problemas sejam decididos por leigos. “Não há justiça sem conhecimento” (George Sand). O jurista, por definição, é um leigo em tudo, exceto no que diz respeito ao Direito. Por outro lado, cientistas e técnicos são leigos em Direito. O ideal, como é tradição na AAA, é que essa expertise seja combinada, com entendidos em ambas as áreas envolvidas. Assim não se poderá alegar que o Tribunal Arbitral não possuía conhecimentos específicos.
Mais importante ainda é notar que a excelência é incompatível com a “cabeça estreita” do tecnólogo, que só entende de determinados sistemas, linguagens ou modelos concretos. O domínio dos fundamentos da matéria é mais importante que o conhecimento restrito de um sistema. Um programador com formação científica, que saiba a fundo lógica de programação, engenharia de software e algoritmos é preferível a um técnico munido apenas de certificação em Java.
Muitas vezes o Tribunal Arbitral será o intermediário entre a extrema expertise dos cientistas e a ignorância escusável dos leigos. Os árbitros sempre podem, e devem, recorrer a testemunhas técnicas (peritos) que conheçam a fundo o sistema concreto envolvido. Isso não exime os árbitros de familiaridade com TI, pois é impossível a um leigo entender o que está acontecendo e direcionar o caso, selecionando o perito adequado e avaliando corretamente as provas produzidas. Já foi o tempo em que o estabelecimento dos fatos podia ser feito de modo mediato. Sem contato direto com a questão de fato, a leitura jurídica do caso será sempre deficitária e, por isso, injusta.
*Julio Cesar Lazzarini Lemos é especialista em arbitragem e sócio do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.